quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Ciência Precisa do Ateísmo? - Parte VIII: Um Universo de Projeto Intencional

Nicolau Copérnico foi responsável por uma revolução no pensamento científico. Desbancando a idéia de que a Terra estava fixa no centro do Universo, Ele iniciou um processo de rebaixamento da importância da Terra, que resultou na difundida visão de que ela é um planeta bastante típico, percorrendo uma órbita ao redor de um sol bastante típico, que está posicionado numa ramificação da espiral de uma galáxia bastante típica, que é um universo bastante típico. Essa redução da importância da Terra é às vezes conhecida como o Princípio de Copérnico.
Todavia... o extraordinário cenário que vai gradativamente emergindo da física e da cosmologia modernas mostra um Universo cujas forças fundamentais estão surpreendente, intrincada e delicadamente equilibradas ou FINAMENTE SINTONIZADAS, a fim de que o Universo possa sustentar a vida. Pesquisas recentes mostram que muitas das constantes básicas da natureza, desde os níveis de energia no átomo de carbono até a taxa de expansão do Universo, têm justamente os valores exatos para que a vida exista. Fosse alguma delas minimamente alterada, o Universo se tornaria hostil à vida e incapaz de sustentá-la. As constantes estão afinadas com precisão, e é essa sintonia fina que muitos cientistas e outras pessoas acham que exige uma explicação. 
... Para a vida existir na terra faz-se necessário um abundante suprimento de carbono. O carbono se forma pela combinação de 3 núcleos de hélio ou pela combinação de núcleos de hélio e berílio. ... Fred Hoyle, eminente matemático e astrônomo, descobriu que para que isso aconteça os níveis de energia do estado nuclear básico tinham de estar finamente sintonizados entre si.  Esse fenômeno se chama "ressonância". Se sua variação fosse mais do que 1 % a mais ou a menos, o Universo não poderia sustentar a vida. Hoyle confessou mais tarde que nada havia abalado tanto seu ateísmo como essa descoberta. Esse mesmo grau de sintonia fina foi suficiente para persuadi-lo de que parecia que "um superintelecto havia brincado com a física e também com a química e a biologia" e que "não há na natureza forças cegas dignas de discussão" (Annual Reviews os Astronomy and Astrophysics 20, 1982, pg. 16)
... O físico teórico Paul Davies nos diz que, se a razão da força nuclear forte em relação à força eletromagnética fosse diferente à razão de 1 parte em 10 elevada à 16ª potência, nenhuma estrela poderia ter-se formado. Além disso, a razão da constante de força eletromagnética em relação à constante de força gravitacional deve ser do mesmo modo delicadamente equilibrada. Um aumento equivalente a apenas 1 parte em 10 elevada à 40ª potência significaria que só estrelas pequenas poderiam existir; a diminuição na mesma proporção significa que só existiriam estrelas grandes. É preciso que existam estrelas pequenas e grandes no Universo: as grandes produzem elementos em suas fornalhas termonucleares; e somente as pequenas queimas o tempo suficiente para sustentar um planeta com vida.
Usando a ilustração de Davies, esse é o tipo de precisão que um exímio atirador precisaria ter para acertar uma moeda no extremo oposto do Universo observável, a uma distância de 20 bilhões de anos-luz. 

... O cosmos ainda nos reserva outras surpresas chocantes. Argumenta-se que uma alteração na força de expansão e contração à razão tão diminuta de 1 parte em 10 elevada à 55ª potência do "tempo de Planck" teria provocado ou uma expansão do Universo demasiado rápida, sem a formação de galáxias, ou demasiado lenta, provocando um rápido colapso.
No entanto, até mesmo esse exemplo de sintonia fina é completamente eclipsado por aquilo que é talvez o exemplo mais espantoso para a mente humana. Nosso Universo é um Universo no qual a entropia (uma medida de desordem) está aumentando... O "objetivo do Criador [projetista]" deve ser preciso à razão de 1 parte em 10 elevada à 123ª potência, isto é, ... um "número que seria impossível escrever por extenso segundo a tradicional forma decimal, porque, mesmo que pudéssemos pôr um zero em cada partícula do Universo, ainda assim não haveria partículas suficientes para realizar a tarefa" (The Emperor's New Mind, pg. 344).
Diante não de um, mas de muitos exemplos espetaculares semelhantes de sintonia fina, talvez não cause surpresa que Paul Davies diga: "Tem-se a impressão de que alguém sintonizou muito bem os números da natureza para criar o Universo... A impressão de um projeto é avassaladora".(The Cosmic Blueprint, pg. 203).
Até aqui estivemos considerando a sintonia fina sobretudo num nivel  cosmológico de larga escala. Quando pensamos nas condições específicas que são necessárias mais perto de nossa casa, em nosso sistema solar e na Terra,  descobrimos que há inúmeros outros parâmetros que necessitam de extrema precisão para que a vida seja possivel. Alguns deles são óbvios para todos nós. A distância da Terra até o Sol deve ser exatamente correta. Perto demais, a água evaporaria; longe demais, a Terra seria demasiado fria para a vida. Uma mudança de apenas cerca de 2 %, e isso faria toda a vida cessar. A gravidade e a temperatura da superfície também são críticas, não podendo variar mais do que alguns graus para que a Terra tenha uma atmosfera capaz de sustentar a vida - retendo a mistura correta de gases necessários para a vida. O planeta precisa girar na velocidade correta: se fosse lento demais, as diferenças de temperatura entre o dia e a noite seriam demasiado extremas; se fosse rápido demais, as velocidades dos ventos seriam desastrosas. E assim continua a lista. O astrofísico Hugh Ross elenca muitos parâmetros semelhantes que precisam ter sintonia fina para que a vida seja possivel, e faz um cálculo, aproximado, mas conservador, de que a probabilidade de um planeta como a Terra existir no Universo é de aproximadamente de 1 em 10 elevada à 30ª potência.
[Esses] ... não são argumentos do "Deus das Lacunas"; foi o avanço da ciência, não a ignorância dela, que nos revelou essa sintonia fina.. Nesse sentido, não há "lacuna" na ciência. A questão é antes a seguinte: Como deveríamos interpretar a ciência? Para que direção ela aponta?
John Polkinghorne... que é ... um eminente teórico quântico, rejeita a interpretação de muitos universos:
"Vamos reconhecer essas especulações pelo que elas são. Não são físicas, mas sim, no sentido mais estrito, metafísicas. Não há uma razão puramente científica para crer num conjunto de Universos. Por sua construção, esses outros universos não podem ser conhecidos por nós. Uma explicação possível com igual respeitabilidade intelectual - e a meu ver com mais economia e elegância - seria a de que este mundo é como é porque é a criação da vontade de um Criador que pretende que ele assim seja."(One World, pg. 80). 
O filósofo Richard Swinburne vai ainda mais longe: "Postular trilhões de trilhões de outros universos, em vez de um só Deus, para explicar a regularidade do nosso Universo, parece o cúmulo da irracionalidade."(Is There a God?, pg. 68).
... Arno Penzias apresenta a argumentação de outro modo: "Algumas pessoas se sentem desconfortáveis com o mundo criado com um propósito. Para apresentar coisas que contradizem o propósito, elas tendem a especular acerca de coisas que não viram". (Genius Talk, Denis Brian).

... Outra versão da teoria do multiverso, a interpretação dos muitos mundos da mecânica quântica, é que todos os multiversos logicamente possíveis existem. Todavia, se todos os universos possíveis existem, então, segundo o filósofo Alvin Plantinga da Universidade Notredame, deve haver um Universo no qual existe Deus, pois sua existência é logicamente possível - embora altamente improvável na visão dos novos ateus. Segue-se então que, sendo Deus onipotente,  ele deve existir em todos os Universos e, portanto, existe apenas um universo, este Universo, do qual ele é o Criador e sustentador.
... Arno Penzias nos lembra que... "Os melhores dados que temos - acerca do Big Bang -  são exatamente os que eu teria previsto se de nada mais dispusesse do que dos 5 livros de Moisés, os Salmos e a Biblia como um todo". (Em Malcom Browne, New York Times, Clues to the Universe's Origin Expected, 12/03/1978).
... Para Penzias, como para muitos outros cientistas, as majestosas palavras com as quais Gênesis começa não perderam nada de sua relevância ou poder: "No princípio, criou Deus os céus e a terra.". Não é, portanto, surpresa nenhuma o fato de que o BIG BANG tenha sido primeiramente discutido - na Nature em 1931 - por um físico e astrônomo, Georges Lemaitre, que também era um religioso.

 ... Os argumentos que usamos a partir da cosmologia e da física são baseados em padrões da ciência contemporânea que desfrutam de ampla aceitação. Não são argumentos que envolvem qualquer desafio que seja a alegações tradicionais da ciência e, como sublinhamos acima, não são certamente argumentos do "Deus das lacunas": eles não se reduzem a "A ciência não consegue explicar isso, portanto Deus o fez". É por esses dois motivos que os argumentos da sintonia fina, por exemplo, recebem facilmente a atenção da maioria dos cientistas, concordem estes ou não com as conclusões que deles tiramos. Argumentos desse tipo têm a marca da compatibilidade com a autêntica atividade científica.

Trechos do capítulo 4 de Por Que a Ciência não Consegue Enterrar Deus, do matemático e pesquisador John Lennox. Ed. Mundo Cristão)

No próximo artigo abordaremos sobre a BIOSFERA PROJETADA. Até lá!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A Ciência Precisa do Ateísmo? - Parte VII - A Natureza E O Papel Da Fé Na Ciência

Trechos Selecionados do Cap. IV do Livro POR QUE A CIÊNCIA NÃO CONSEGUE ENTERRAR DEUS, de John Lennox (Ed. Mundo Cristão)


O que somos nós, seres humanos? E o que é o Universo? Ele é realmente nossa casa, ou somos apenas minúsculos seres transitórios que ele por acaso produziu como matéria e energia, para que de modo negligente, explorássemos o inerente potencial das leis da natureza?
... Como sempre, as respostas que recebemos para essas perguntas são de tipos muito diferentes. Alguns cientistas pensam que somos alienígenas no cosmos, "uma espinha na cara do universo", produzido pelo vasto turbilhão do acaso e necessidade que dita o comportamento físico do Universo. Somos o "produto de um processo natural e inconsciente e sem objetivo que não nos tinha em mente", nas palavras do biólogo George G. Simpson, em The Meaning of Evolution, pg. 344.
Mas há aqueles que não se sentem alienígenas no Universo. O físico Freeman Dyson é um desses. Escreve ele: "Quando olhamos para o universo e identificamos os muitos acidentes de física e astronomia que colaboraram para o nosso benefício, quase parece que o Universo deve de algum modo ter sabido que estávamos chegando." (Energy in the Universe, Scientific American Magazine 224, de 1971, pg. 50)

Outro físico, Paul Davies, também não está convencido de que somos meras partículas insignificantes de pó animado. Ele escreve: "Não posso acreditar que nossa existência no Universo seja um mero capricho do destino, um acidente da história, um pequeno ponto incidental no grande drama cósmico. Nosso envolvimento é íntimo demais... Fomos realmente concebidos para estarmos aqui." (The Mind of God, pg 232)
Davies sugere com clareza que há uma mente por trás do Universo, que pensou nos seres humanos quando o Universo foi criado. Por que Dyson e Davies pensam como pensam? O Universo em si nos fornece alguma pista que poderia ser a base para o pensamento de que os seres humanos têm alguma importância? 
Fornece. a 1ª pista é:
A INTELIGIBILIDADE RACIONAL DO UNIVERSO

... O próprio conceito da inteligibilidade do Universo pressupõe a existência de uma racionalidade capaz de reconhecer essa inteligibilidade... Trata-se da pedra fundamental da crença sobre a qual se constrói toda a investigação intelectual. Pretendo mostrar que o Teísmo lhe confere uma justificativa consistente e racional, ao passo que o naturalismo parece impotente diante desse problema.
A inteligibilidade racional é uma das principais considerações que levaram pensadores de todas as gerações a concluir que o próprio Universo deve ser um produto de inteligência.
A NATUREZA E O PAPEL DA FÉ NA CIÊNCIA

... Não se pode sequer fazer matemática sem a fé em sua consistência. - e tem de ser fé, porque a consistência da matemática não pode ser provada.
... Pense-se na lei do quadrado inverso da atração gravitacional de Newton.Por estarmos tão acostumados a sua explicação de como os planetas giram em torno do sol em movimentos elípticos e a usarmos (ou melhor, os especialistas a usam) para prever todos os tipos de eventos astronômicos, eclipses e coisas do gênero, muitas vezes não percebemos que há uma dimensão de fé oculta até nesse ponto. Ela é denunciada por nossa crença de que aquilo que aconteceu hoje vai acontecer de novo amanhã... Paul Davies comenta:
"O simples fato de o sol ter surgido todos os dias de nossa vida não garante que ele surgirá amanhã. a Crença de que isso acontecerá - de que há de fato regularidades confiáveis da natureza - é um ato de fé, do tipo que é indispensável para o progresso da ciência."(The Mind of God, pg. 81)
Esse aspecto da inteligibilidade racional do Universo é muitas vezes mencionado como o princípio da uniformidade da natureza. É um artigo da fé científica.
Infelizmente as duas ideias - a de que toda fé religiosa é fé cega e a de que a ciência não envolve fé - estão tão profundamente entranhadas na psiquê dos novos ateus e, portanto, são tão disseminadas em seus escritos que precisamos enfatizar com veemência que eles estão equivocados. John Haught escreve:
"Em algum ponto da validação de todas as alegações ou hipóteses de verdade, um salto de fé é um ingrediente indispensável. Na base de todas as buscas humanas do entendimento e da verdade, incluindo-se a pesquisa científica, está presente um elemento de confiança que não pode ser erradicado. Se você se pegar duvidando do que acabo de dizer, é apenas porque, neste exato momento, você confia na sua mente o suficiente para preocupar-se com a minha asserção. Você não pode deixar de confiar em sua capacidade intelectual, mesmo quando está em dúvida. Além disso, você expõe seu questionamento crítico porque ACREDITA que vale a pena procurar a verdade. A fé, nesse sentido, NÃO no sentido de loucas fantasias e desejos impossíveis, está na raiz de toda religião - e ciência - autênticas".
Haught conclui com razão que isso "mostra de forma clara que as tentativas dos novos ateus de purificar a consciência humana da fé são absurdas e estão condenadas ao fracasso."
Nossa resposta à pergunta de por que o Universo é racionalmente inteligível dependerá, na verdade, não de sermos ou não cientistas, mas de sermos teístas ou naturalistas. Os teístas ... dirão que a inteligibilidade do Universo se baseia na natureza da racionalidade suprema de Deus: tanto o mundo real quanto a matemática podem ser remetidos à mente de Deus que criou ambos, o Universo e a mente humana. Não causa, portanto, surpresa quando as teorias matemáticas engendradas por mentes humanas criadas à imagem da mente de Deus encontrem uma aplicação fácil num Universo cujo arquiteto foi essa mesma mente criativa.
Keith Ward defende com vigor essa visão:
"... A existência de leis da física ... implica fortemente que existe um Deus que formula essas leis e garante que o reino físico se conforme a elas." (God, Chance and Necessity)
O teísmo, portanto, sustenta a inteligibilidade racional do universo e vê sentido nela... Longe da ciência que abole Deus, parece haver um argumento substancial a favor da afirmação de que é a existência de um Criador que  confere à ciência sua justificativa intelectual fundamental. Até Stephen Hawking, que ocupa a a cadeira que já foi de  Sir Isaac Newton, em Cambridge, e que como se sabe não nutre simpatias pelo teísmo, admitiu em uma entrevista na TV:
"É difícil discutir o início do Universo sem mencionar o conceito de Deus. Minha obra sobre a origem do Universo situa-se na fronteira entre a ciência e a religião, mas eu tento ficar do lado científico da fronteira. É bem possível que Deus atue de maneiras que não podem ser descritas por leis científicas."(Entrevista à ABC TV em 1989).

RECORDANDO-SE DA HISTÓRIA DO BOLO DA TIA MATILDE, NO ARTIGO PARTE 5...

Nem o Universo nem o bolo da tia Matilde geram ou explicam a si mesmos. A "autogeração"  de Peter Atkins é dele exigida por seu materialismo, não por sua ciência.
Stephen Hawking, em contrapartida, parece concordar com o argumento apontado por nossa história da Tia Matilde, isto é, que a ciência não pode responder à pergunta de por que existe um Universo. Escreve ele:
"A abordagem comum da ciência de construir um modelo matemático não pode responder às perguntas que indagam por que deveria existir um universo a ser descrito pelo modelo. Por que o Universo se dá a todo esse trabalho de existir? Seria a teoria unificada tão convincente a ponto de produzir sua própria existência? Ou será que ela precisa de um Criador, e, nesse caso, ele exerce algum outro efeito sobre o Universo?" (Creation Revisited, pg. 174).
A 1ª sugestão de Hawking nesse ponto não é que o Universo seja gerador de si mesmo, mas que ele é trazido à existência por uma teoria. Paul Davies diz algo semelhante numa entrevista:
"Não é necessário invocar nada sobrenatural nas origens do Universo ou da vida. Jamais gostei da ideia de uma intervenção divina: para mim é muito mais inspirador crer que um conjunto de leis matemáticas possa ser tão engenhoso a ponto de fazer que todas as coisas existam."(Relatado por Clive Cookson em Scientists Who Glimpsed God, publicado no Financial Times, 29/04/ 1995).
É estranho que um cientista consagrado como Davies esteja disposto a decidir como as coisas começaram baseando-se naquilo de que ele gosta ou não gosta. Isso não é melhor do que alguém que diz: "Eu gosto de pensar que há fadas no fundo do meu jardim". Além disso, ele está aqui atribuindo inteligência (se não personalidade) a um conjunto de leis matemáticas - e acreditando que elas poderiam ser inteligentes baseando-se no fato de que ele acha isso inspirador! Isso é pensamento fantasioso ou o quê?
Deixando de lado essa motivação que parece dúbia, bem podemos perguntar o que se poderia querer dizer com TEORIA ou LEIS capazes de conferir existência ao Universo. Com certeza esperamos estar aptos a formular teorias envolvendo leis matemáticas que descrevam fenômenos naturais, e, muitas vezes, sabemos fazer isso atingindo graus de assombrosa precisão. Todavia, as leis que descobrimos não podem causar coisa alguma. As leis de Newton podem descrever o movimento de uma bola de bilhar, mas é o taco empunhado pelo jogador que põe a bola em movimento, não as leis. Elas ajudam a mapear a trajetória do movimento da bola no futuro (desde que não haja interferências externas), mas são impotentes para pôr a bola em movimento, quanto mais para conferir-lhe existência.
... No mundo em que a maioria de nós vive, a simples lei da aritmética, 1 + 1 = 2, nunca por si só conferiu existência a coisa alguma. Ela, com certeza, nunca depositou nenhum dinheiro em minha conta bancária. Se eu primeiro depositar R$ 1.000,00 em minha conta e depois mais R$ 1.000,00, as leis da aritmética explicarão de forma lógica como acontece que agora tenho R$ 2.000,00 na conta. Mas se eu mesmo não depositar nenhum dinheiro no banco e apenas deixar que as leis da aritmética se encarreguem de trazer dinheiro para a minha conta, permanecerei falido para sempre. O mundo do naturalismo estrito, no qual as engenhosas leis matemáticas sozinhas conferem existência ao universo e à vida, é pura e pobre ficção.  chamá-la de ficção CIENTÍFICA seria denegrir o nome da ciência.  Teorias e leis simplesmente não conferem existência a nada. A visão de que elas, apesar disso,  de algum modo tem essa capacidade parece um refugio um tanto desesperado (e é difícil ver que outra coisa isso poderia ser, senão um refugio) para proteger-se da possibilidade alternativa contida na questão final de Hawking apresentada antes: "Ou será que ela (a teoria) precisa de um Criador?"
Allan Sandage, considerado como um dos precursores da astronomia moderna, descobridor dos quasares e ganhador do prêmio Crafoord, equivalente ao prêmio Nobel para a astronomia, não tem dúvida de que a resposta a essa questão é positiva:
"Acho muito improvável que essa ordem seja proveniente do caos. Deve haver algum princípio organizador. Para mim, Deus é um mistério, mas é a explicação para o milagre da existência - por que existe alguma coisa em vez de nada."(The New York Times, 12/03/1991, pg. B9).

O COMEÇO DO UNIVERSO


A questão da existência do Universo é considerada como sendo logicamente distinta da questão que indaga se o Universo teve ou não um começo. Se o Universo teve um começo ou não é uma questão de importância fundamental para a história do pensamento.. Ela está vinculada a questões acerca da natureza da realidade suprema. Pois, se o Universo não teve um começo, ele é eterno e nós poderíamos argumentar  que ele é simplesmente um fato bruto da existência. Em contrapartida, se o Universo teve um começo, ele não é eterno e, por essa razão, não é supremo.
... Muito antes dos antigos gregos, os hebreus acreditavam que o tempo era linear e que o universo teve um começo. Ele fora criado, e o Criador era Deus. Essa visão bíblica foi sustentada por pensadores importantes como Agostinho, Irineu e Tomás de Aquino, e dominou o panorama intelectual durante muitos séculos.
Ora, é de particular interesse observar que Tomás de Aquino, no séc. 13, tentou reconciliar a posição bíblica com a filosofia aristotélica enfatizando que, no seu ponto de vista, o conceito de criação tinha muito mais a ver com existência do que com processo. Segundo Agostinho, ele acreditava que Deus havia criado "com o tempo" em vez de no tempo. Na opinião dele, portanto, a criação significava simplesmente que o Universo depende de Deus para sua existência. Tomás de Aquino achava que era impossível dizer, a partir de considerações filosóficas, se o Universo era eterno ou não: Ainda que admitisse que a revelação divina mostrava que ele de fato teve um começo.
Para grande parte da era científica moderna depois de Copérnico, Galileu e Newton, a crença em geral voltou-se para a ideia de um universo finito tanto em idade quanto em extensão. A partir de então, desde meados do séc. 19, essa visão começou a sofrer uma pressão cada vez maior, a ponto de ter perdido completamente seu domínio. A crença num começo é mais uma vez a visão da maioria dos cientistas contemporâneos. As evidências a partir do desvio para o vermelho à luz de galáxias distantes, da radiação cósmica de fundo e da termodinâmica levaram os cientistas a formular o assim chamado modelo BIG BANG do Universo.

 
 
A ANTIPATIA PELA IDEIA DE UM COMEÇO

... Nem todos os cientistas estão convencidos de que o modelo BIG BANG seja correto.
... Para alguns cientistas e filósofos, as considerações baseadas em cosmovisões desempenham um papel em sua antipatia pela ideia de um começo.
... Segundo Stephen Hawking: "Muitos cientistas  não gostam da ideia de que o tempo tem um começo, provavelmente porque ela cheira a intervenção divina"(A Brief History of Time, From the Big Bang to Black Holes, pg. 46).
... Outro famoso cientista que achou repugnante a ideia de um começo é John Maddox, ex-editor da revista Nature. Ele declarou a concepção de um começo "completamente inaceitável", porque implicava "uma origem suprema do nosso mundo" e dava aos criacionistas uma "ampla justificativa" para suas crenças.
É bastante irônico que no séc. 16 algumas pessoas resistissem aos avanços da ciência porque eles pareciam ameaçar a crença em Deus; ao passo que, no séc. 20, as ideias científicas de um começo tenham sofrido resistência porque ameaçavam tornar mais plausível a crença em Deus.
Há outra questão a ser levantada acerca da declaração de Maddox. Ouve-se com frequência a crítica desferida contra aqueles cientistas que acreditam num Criador por não terem um modelo do Universo que leve a previsões testáveis. Mas esse comentário de Maddox mostra que isso simplesmente não é verdadeiro. Sua antipatia pela ideia de um começo era motivada precisamente porque um modelo de criação do tipo bíblico claramente previa um começo e ele não aceitava essa confirmação. Todavia, as evidências de uma singularidade de tempo-espaço na forma da descoberta das radiações cósmicas de fundo, etc, confirmaram a previsão óbvia implícita no relato bíblico. Isso significa que a acusação de que noções de um PROJETO inteligente não são científicas porque não fazem nenhuma previsão verificável é falsa. A própria ciência tem mostrado que a hipótese da criação é testável.
... Quanto mais ficamos sabendo sobre o nosso Universo, tanto mais a hipótese de que existe um Deus Criador, que projetou o Universo com um propósito, ganha em credibilidade como a melhor explicação do motivo de estarmos aqui. Charles Tones, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1964 por sua descoberta do MASER (o precursor do LASER), escreveu:
"A meu ver, a questão da origem parece ficar sem resposta se a explorarmos de um ponto de vista científico. Assim, eu acredito que uma explicação religiosa ou metafísica se faz necessária. Acredito no conceito de Deus e na existência Dele."(Making Waves, American Physical Society, 1995).

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Ciência Precisa do Ateísmo? - Parte VI - O "Deus das lacunas"

"Note-se que não estou postulando um 'Deus das lacunas'; um deus só para explicar as coisas que a ciência ainda não explicou. Estou postulando um Deus para explicar por que a ciência explica; não nego que a ciência explique, mas postulo Deus para explicar por que a ciência explica. O próprio sucesso da ciência demonstrando-nos como o mundo natural é profundamente ordenado nos apresenta fortes razões para acreditar que há uma causa ainda mais profunda para essa ordem." (Será que Deus existe, Richard Swinburne, pg. 68).

O filósofo Swinburne está fazendo uma inferência para chegar à melhor explicação e dizer que DEUS é a melhor explicação para o poder explanatório da ciência. 

O ponto importante a captar aqui é que, pelo fato de Deus não ser uma alternativa para a ciência como uma explicação, ele não deve ser entendido apenas como um "Deus das lacunas". Pelo contrário, Ele é a base de toda explicação: é a existência dele que dá origem à própria possibilidade de explicação, científica ou de outro gênero. É importante enfatizar isso porque autores influentes, tais como Richard Dawkins, insistem em conceber Deus como uma alternativa explanatória para a ciência - uma ideia que não se encontra em nenhuma reflexão teológica de alguma profundidade. Dawkins está, portanto, investindo contra um moinho de vento - descartando um conceito de Deus no qual nenhum pensador sério de modo algum acredita.


'DES'-DEIFICAÇÃO DO UNIVERSO: OS PRIMEIROS CIENTISTAS


Precisamos, de qualquer forma, investigar mais a fundo a alegação de muitos cientistas de que o ateísmo é uma pressuposição necessária para a prática da verdadeira ciência. Eles acham que qualquer proposta para introduzir Deus como uma explicação do Universo em qualquer nível provará ser o fim da ciência. Se, por exemplo, quando troveja, nós supusermos, como alguns dos antigos, que na verdade um deus está produzindo aquele barulho, então não vamos nem podemos investigar o mecanismo por trás do barulho. Só pressupondo que não existem deuses podemos estar livres para investigar os mecanismos da natureza de uma forma de fato científica: introduzam-se deuses de qualquer etapa, e a ciência para. Para eles, Deus é um entrave para a ciência.

Com certeza: precisamos nos livrar da deificação das forças da natureza para podermos, com liberdade, estudar a natureza. De grande importância no presente contexto é Xenófanes (cerca de 570-478 aC) de Colofão, cidade próxima a Smirna, na atual Turquia. Embora seja conhecido por suas tentativas de entender a importância dos fósseis de criaturas marinhas descobertas em Malta, é até mais famoso por sua contundente denúncia da visão mitológica do mundo. Ele ressaltou que foi atribuído aos deuses um comportamento que, entre os humanos, seria considerado como totalmente vergonhoso: os deuses eram malandros, ladrões e adúlteros. Na verdade, ele sustentou que esses deuses haviam sido de fato feitos à imagem das pessoas que acreditavam neles: os etíopes têm deuses morenos e de nariz achatado; os deuses da Trácia têm olhos azuis e cabelos ruivos. Zombeteiro, ele acrescentou: "Se vacas e cavalos ou leões tivessem mãos e pudessem desenhar, então os cavalos desenhariam deuses em forma de cavalos, as vacas teriam deuses como vacas, criando corpos divinos semelhantes em forma a seus próprios corpos". Assim, para Xenófanes, esses deuses eram apenas óbvias ficções infantis da fértil imaginação dos que acreditavam neles.

Essa denúncia dos deuses, juntamente com a determinação de investigar os processos naturais, até então entendidos quase só como atividade daqueles deuses, inevitavelmente levou ao declínio as interpretações mitológicas do Universo e ao avanço da ciência. Esse esvaziamento no mundo natural dos deuses, demônios e espíritos é muitas vezes chamado de des-deificação do Universo.

Xenófanes não foi, contudo, o único pensador antigo a criticar a cosmovisão politeísta. Mas importante ainda, ele não foi nem o primeiro. Sem que ele tivesse conhecimento ... e com séculos de antecedência, Moisés havia advertido de que não se adorassem outros deuses, prostrando-se "diante do sol, ou diante da lua, ou diante das estrelas do céu."(Deuteronômio 17.3). O profeta hebreu Jeremias, por exemplo, escrevendo por volta de 600 aC, denunciou de modo semelhante o absurdo da deificação da natureza e da adoração do sol, da lua e das estrelas (Jeremias 8.2).

Neste ponto poderíamos com facilidade incorrer no erro de concluir de forma precipitada que livrar-se dos deuses implica ou equivale a livrar-se de Deus. Longe disso. Para Moisés e os profetas era absurdo prostrar-se diante de vários fragmentos do Universo, tais como o Sol, a lua e as estrelas, considerando-os deuses. Mas eles achavam igualmente absurdo não acreditar no Deus criador e não prostrar-se diante daquele que os criou, bem como ao Universo. E aqui, convém notar, eles não estavam introduzindo uma ideia radicalmente nova. Eles não precisavam des-deificar seu Universo como fizeram os gregos, pela simples razão de que eles nunca haviam acreditado nos deuses. O que os havia salvado dessa superstição fora sua crença em um único Deus verdadeiro, criador do céu e da terra. Isto é, o Universo idólatra e politeísta descrito por Homero e Hesíodo não foi o primeiro quadro mundial da humanidade. Essa é uma impressão que se adquire muitas vezes pelo fato de que a maioria dos livros de ciência e filosofia começa com os antigos gregos e enfatiza a importância da des-deificação do Universo, deixando exatamente de mostrar que os hebreus haviam protestado contra interpretações idólatras do Universo muito antes dos gregos. Isso serve para obscurecer o fato de que é possível argumentar que o politeísmo constitui a deturpação de uma crença original em um único Deus criador. Foi essa deturpação que precisou ser corrigida mediante a recuperação - não o descarte - da crença no Criador.

É, portanto, muito surpreendente o fato de que Xenófanes, apesar de estar mergulhado numa cultura politeísta, não tenha cometido o erro de confundir Deus com os deuses e, portanto, não rejeitou o primeiro juntamente com os demais. Acreditando num só Deus que governava o Universo, ele escreveu: "Há um só Deus ... não semelhante aos mortais nem na forma nem no pensamento ... distante e sem esforço, ele tudo governa".

A obra de Tomás e Aquino, do séc. 13, também é relevante nesta discussão. Ele considerava Deus como a 1ª causa, a causa suprema de todas as coisas. Deus causou diretamente a existência do Universo que, sendo assim, dependia dele. Isso é o que podemos chamar de causação direta.  Mas então Tomás de Aquino sustentou que havia um 2º nível de causação operando no Universo, chamado de causação secundária.  Esse nível consistia na rede de causas e efeitos tecida pelo vasto sistema entrelaçado e interdependente que é o Universo. Assim, o fato de que as explicações da causação secundária podem ser apresentadas na forma de leis e mecanismos não implica a não existência do Criador, do qual depende a própria existência da rede de causas e efeitos.

A noção de que a crença num Deus criador que criou e sustenta o Universo significaria o fim da ciência é francamente falaciosa. De fato, poderíamos dizer que se trata de uma ideia um tanto estranha, à luz do papel que essa crença desempenhou no surgimento da ciência - pois, se tal noção fosse verdadeira,  a ciência nunca poderia ter começado. 

Esta é a questão principal: há uma grande diferença entre Deus e os deuses, e entre um Deus que é o Criador e um Deus que é o Universo, como bem sabia James Maxwell quando, sobre a porta do famoso laboratório Cavendish Physics de Cambridge, mandou gravar estas palavras: "Grandes são as obras do Senhor; nelas meditam todos os que as apreciam".

Quando examinamos a história da ciência, temos todos os motivos para nos sentir gratos aos pensadores brilhantes, que deram o corajoso passo de questionar a visão mitológica da natureza, a qual atribuía a vários segmentos do Universo poderes divinos que eles não tinham. Vimos que alguns deles agiram assim, não apenas sem rejeitar o conceito de um Criador, mas em nome desse mesmo Criador. Talvez exista hoje o sutil perigo de que, em seu desejo de eliminar completamente o conceito de um Criador, alguns cientistas e filósofos tenham sido levados, mesmo sem querer, a re-deificar o universo, dotando a matéria e a energia de poderes criativos, os quais não se pode demonstrar de forma convincente que elas tenham. Banindo o único Deus Criador, eles chegariam ao que tem sido descrito como a máxima do politeísmo: um universo no qual todas as partículas têm capacidades divinas.

(Trechos do capítulo 3 de Por Que a Ciência não Consegue Enterrar Deus, do matemático e pesquisador John Lennox. Ed. Mundo Cristão)